Valéria, estudante de Comunicação Social da UCB é
a responsável pela exposição que retrata a relação das mulheres
negras com seus cabelos

Ontem, eu falei sobre a exposição Nós Negras: Cabelo e Identidade, que está acontecendo em Brasília, e para alegria geral da nação, foi prorrogada até o dia seis de dezembro, sendo que o término estava previsto para hoje.

Aproveito a deixa para postar esta super entrevista que fiz com a queridíssima Valéria Borges de Matos, que mesmo atrelada de atividades por conta da entrega do seu TCC
( Trabalho de Conclusão de Curso), se dedicou alguns minutos para responder minhas perguntas.

Espero que gostem!




Sabrinah Giampá – Como surgiu a ideia da exposição em cima desse tema? 

Valéria Borges de Matos – Eu curto fotografias e quis mostrar a beleza dessas mulheres, que não se encaixa nos padrões impostos por esta sociedade racista e sexista. Nós, mulheres negras, quando não invisibilizadas pelos meios de comunicação, somos representadas de forma estereotipada e/ou erotizada. As mulheres negras, desde a infância, têm um grande desafio que é de se relacionarem com o cabelo que não é socialmente aceito, além disso, é denominado por inúmeros adjetivos depreciativos, como: ruim, pixaim e palha de aço. Isto é reflexo do preconceito enraizado na nossa sociedade que privilegia padrões estéticos de maior grau de embranquecimento. Somos muitas vezes pressionadas em casa, no trabalho e nas ruas para alisarmos os nossos cabelos para sermos aceitas. Achei interessante mostrar estas fotos em um espaço que teria visibilidade, porque a biblioteca da universidade é bastante visitada. 
Lorena Monique posa para Valéria Borges de Matos.
Esta e outras fotos estão na exposição Nós Negras: Cabelo e Identidade, que vai até dia seis de dezembro, em Brasília
Sabrinah Giampá – É um tema conflitante para você? 

Valéria Borges de Matos –Conflitante por causa da sociedade que não aceita que as pessoas sejam diferentes e tenham personalidade. Muitas pessoas falam do meu cabelo e condenam o jeito natural que eu uso, são julgamentos que  percebemos até num olhar.
Sabrinah Giampá – Já teve que lidar com algum preconceito social em relação aos cabelos e etnia? 
Valéria Borges de Matos – Muitos. Desde a infância, em que tive que lidar com professoras racistas. E até hoje sofro preconceito, o racismo às vezes tenta ser sutil, mas quem é militante o reconhece nos pequenos comentários ou olhares.

Depoimento


“Vi que poderia ser eu mesma, e mesmo diante de muitos obstáculos, me senti livre, uma nova mulher. Há três anos uso meu cabelo natural, black e maravilhosamente estiloso. Realmente, essa sou eu.”

Luci Mary, 40 anos, técnica de enfermagem

Sabrinah Giampá – Acredita que toda mulher crespa tem uma história de superação em relação aos cabelos?
Valéria Borges de Matos – Não. Isso é bem pessoal. Tem pessoas que lidam bem com o cabelo natural desde a infância,  tem pessoas que preferem o cabelo liso. Nós temos que ter liberdade para escolhermos e ficarmos bem resolvidas com a nossa estética.
Sabrinah Giampá – Como você enxerga o papel da mídia nisso tudo, falta referências? 
Valéria Borges de Matos – Os negros em geral não aparecem nos meios de comunicação, e quando aparecem, são representados de forma negativa. Isso tem um resultado devastador na autoestima da população negra.
Daniela Santanna, negritude clicada por Valéria Borges Matos
Sabrinah Giampá – Neste trabalho, onde conversou com diversas mulheres, qual a história mais tocante, que você ouviu?  
Valéria Borges de Matos – Soube de várias histórias de resistência e autoconhecimento. Uma das mulheres fotografadas, a Jessyca Sabino, conta que em um concurso de beleza obrigaram ela a alisar os cabelos, e foi o dia que ela se sentiu pior na vida, porque o cabelo liso não faz parte da identidade dela. Mas esta foi apenas uma história, tiveram vários depoimentos tão interessantes como este.

Sabrinah Giampá – Como chegou até essas mulheres?

Valéria Borges de Matos – Eu convidei algumas amigas que logo se interessaram no trabalho. Algumas mulheres eu encontrei nos corredores da universidade que estudo, outras em uma rede social na internet. Sempre buscando mulheres negras de idades e físicos diferentes. Levei em consideração a beleza de diversos biotipos. E, ainda, os cabelos crespos usados de diversas formas: black power, tranças, cacheadas e com dreads (esta última foi mais trabalhosa para encontrar).

Depoimento

“O meu cabelo vai além da procura pela beleza, assumir o meu gosto e o respeito pelas diferentes formas da estética negra sinalizam um pertencimento e um orgulho dessa herança.” 

Layla Maryzandra, 30 anos, educadora


Sabrinah Giampá – O que aprendeu com elas e este trabalho?

Valéria Borges de Matos – Nossa sociedade constrói estereótipos que  inferiorizam as mulheres negras. É preciso  muita determinação e amor próprio para se olhar no espelho e se ver bonita mesmo ouvindo diversos apelidos depreciativos desde a infância. Através dos depoimentos, pude perceber que muitas mulheres até a fase adulta não conheciam de verdade a textura dos próprios cabelos, pois desde cedo foram instruídas a ‘domar’ os cabelos como se eles fossem um problema a ser resolvido. Muitas vezes passando por processos de alisamento desconfortáveis e prejudiciais a saúde. O que eu vejo é que muitas mulheres depois de deixarem de alisar ou, até mesmo, cortando os cabelos curtos para crescerem naturalmente, passam a amar e valorizar os cabelos crespos porque eles são lindos, macios e fortes ao contrário do que muita gente pensa.

Sabrinah Giampá – Como foi o seu processo de aceitação do cabelo crespo?

Valéria Borges de Matos – Eu fazia relaxamento, dai uma vez, deixaram o produto muito tempo no meu cabelo, e ele alisou. Tive que deixar crescer por um tempo e depois cortei curto para ficar 100% natural. Até hoje tenho medo de relaxamentos.
Luana Lopes posa para Valéria Borges de Matos
Sabrinah Giampá – Como é atualmente a relação com seu cabelo?
Valéria Borges de Matos – Eu amo muito meu cabelo natural. Ele continua sendo uma preocupação pra mim porque eu não o trato tão bem como ele merece. Eu uso os produtos que estão no banheiro de casa, que os meu familiares compram. Tem o Elseve 5, da minha mãe e o Clear, anticaspa do meu pai. (heheheheh) Não sou muito cuidadosa e vaidosa não. Acho q meu cabelo gosta de liberdade mesmo.
Sabrinah Giampá – Sempre foi assim? 

Valéria Borges de Matos – Sim.

Sabrinah Giampá – Para você, o que significa assumir os cabelos crespos?

Valéria Borges de Matos – Assumir o cabelo natural é desafiar o racismo, é resistir aos padrões impostos e celebrar nossa condição de mulher negra. Somos maravilhosas e nos sentimos bem com a nossa cor e com os nossos cabelos crespos.

Depoimento


“Amo a minha origem e manter o cabelo natural simboliza resistir à opressão dos padrões estéticos tidos como norma e que não nos contemplam. É, ainda, preservar os traços dos meus ancestrais. Nossa imagem pode sim ser usada como um instrumento de luta contra o racismo.”

Cristiane Damacena, 23 anos, jornalista 

Sabrinah Giampá – Foi uma coincidência a exposição ocorrer na semana da consciência negra?

Valéria Borges de Matos – Foi pensado sim. Este mês é muito importante para lembrarmos a luta e a resistência do nosso povo. É, também, tempo de refletirmos sobre a importância de continuar lutando contra o racismo. Promovendo o debate e conscientizando as pessoas que nos rodeiam.

Sabrinah Giampá – Se pudesse falar por todos os negros, qual recado daria à nossa sociedade racista?

Valéria Borges de Matos – Muitas coisa mudaram depois de muito trabalho do movimento negro. Mas, ainda há muito o que mudar na nossa sociedade. O racismo que enfrentamos é real e diário. Queremos melhores condições de emprego, saúde e educação.  Queremos ser representados de forma positiva nos meios de comunicação e queremos que a história do nosso povo seja considerada e valorizada.

Samara Christine emprestou sua beleza negra para a exposição de Valéria Borges de Matos


Sabrinah Giampá -Que conselho você daria às mulheres negras e com cabelos crespos? 

Valéria Borges de Matos –Use o cabelo da forma que se sinta bem, seja black power, trançado ou alisado, mas se dê a oportunidade, uma vez na vida, de conhecer a textura natural do cabelo, tenho certeza que vai amar e largar a chapinha.
Sabrinah Giampá -Qual a mensagem que pretende passar com a exposição?

Valéria Borges de Matos –Que as mulheres negras são belíssimas e os cabelos crespos são macios, belos, e maravilhosos. Mas acima de tudo, eu quero promover o debate e a reflexão dos visitantes a respeito do que as mulheres negras enfrentam cotidianamente. E, como estas mulheres,  utilizam os cabelos para afirmar a sua identidade negra e elevar a sua autoestima. Isso tudo valorizando o protagonismos de cada mulher fotografada e ouvida.

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

Comentários no Facebook